Especialista aponta série de problemas no projeto de lei, como não definir corretamente o que são criptoativos e o que considera por aplicações no exterior.
A Câmara dos Deputados aprovou na noite de quarta-feira (25) o Projeto de Lei que trata da tributação de fundos exclusivos (com poucos cotistas) e offshores, mantidos por brasileiros no exterior. A proposta inclui também os criptoativos, tratados no texto como “ativos virtuais”.
O PL, porém, passou por uma importante mudança em relação ao texto original proposto em agosto: os investimentos no exterior (em que estão incluídas as criptomoedas) passam a ter uma alíquota padrão de 15%. Originalmente estavam previstas faixas de impostos, que podiam chegar a 22,5% sobre os investimentos no exterior que superassem R$ 50 mil.
Com isso, os rendimentos dos investimentos no exterior ficarão sujeitos à incidência de Imposto de Renda, no ajuste anual, de 15%.
“No parecer que subi agora estamos construindo essa unificação: os fundos exclusivos e fechados passarão a ter o come-cotas em 15% e a atualização patrimonial sobe de 6% para 8%. E os fundos offshore, uma alíquota padrão também de 15% e uma alíquota de atualização patrimonial que sobe de 6% para 8%”, disse o relator do PL, Pedro Paulo (PSD-RJ).
O texto foi aprovado por 323 a 119, com uma abstenção. O PL agora segue para o Senado.
Pelo projeto, a partir de janeiro de 2024, toda pessoa física residente no país deverá declarar os rendimentos obtidos com o capital aplicado no exterior, separado dos demais rendimentos e ganhos de capital.
Vale ressaltar que o texto aprovado ainda define que a Receita Federal será responsável pela regulamentação para enquadrar quais ativos virtuais e carteiras digitais serão consideradas aplicações financeiras para fins de tributação.
Guilherme Peloso Araújo, advogado tributarista sócio do Carvalho Borges Araújo Advogados, destacou ao Portal do Bitcoin que a mudança da alíquota foi importante para o projeto, assim como a definição de que a Receita será a responsável pelas regras.
“Na média, portanto, a alíquota base fica inferior à anterior, que era de 22,5% para rendimentos anuais acima de R$ 50 mil. Além disso, é possível imaginar uma maior segurança nos conceitos com a regulamentação obrigatória pela Receita”, afirma.
Problemas no texto
No caso específico das criptomoedas, o PL pode gerar algumas confusões se aprovado na forma como está. Isso porque esses são ativos descentralizados e que acabam não sendo regidos por regras comuns do mercado financeiro tradicional, como cotação (que é diferente em cada plataforma) e emissão dos tokens.
Em entrevista ao Portal do Bitcoin, o advogado especialista em criptomoedas Daniel de Paiva Gomes comentou que um dos primeiros problemas no texto aprovado está na falta de clareza sobre a definição de criptoativos usada no PL.
“Criptoativo vai abranger qualquer tipo de criptoativo nativo para o funcionamento de uma blockchain? Aí eu pergunto: tokens de utilidade, que dão acesso a bens e serviços e não são ativos financeiros, vão ser colocados dentro do conceito de criptoativo enquanto equiparável à aplicação financeira?”, questiona ele apontando o risco de se taxar ativos que não são aplicações financeiras.
Para exemplificar o problema, o advogado cita um caso em que uma companhia aérea emite uma passagem em forma de token não fungível (NFT). Se for uma empresa sediada no exterior, o usuário poderia acabar incluído no tema do PL e pagar mais imposto sobre a passagem.
Outro ponto importante está na definição do que é uma aplicação financeira localizada no exterior. Para muitas pessoas, o PL trata das criptos que estão em exchanges no exterior, como Binance ou Coinbase, mas o texto não é claro.
“O que no mundo dos criptoativos é localizado no exterior? Se o critério for local do emissor, aí estamos com um sério problema, porque a maioria dos criptoativos são emitidos no exterior”, diz Gomes.
Na visão dele, o correto seria definir o que é exterior com base no intermediário, ou seja, o local do prestador de serviço de ativo virtual (por exemplo, a corretora de criptomoedas), e não o local do emissor dela.
“Se é para tributar aplicação financeira localizada no exterior, tudo bem, mas que sejam enquadrados nesta categoria só os criptoativos a ser entendidos como ativos financeiros que possam gerar retorno e que sejam adquiridos perante um intermediário no exterior. Me parece que assim ficaria bem equilibrado”, conclui o advogado.
Outra questão importante é a variação cambial. O texto define rendimentos como “remuneração produzida pelas aplicações financeiras no exterior, incluídos, exemplificativamente, variação cambial da moeda estrangeira ou variação da criptomoeda em relação à moeda nacional, rendimentos em depósitos em carteiras digitais […]”.
O problema apontado por Gomes é que não há precisão em variação cambial de uma criptomoeda, já que não existe uma cotação oficial dos ativos digitais, nem mesmo do Bitcoin.
“Não estou falando de ativos financeiros tokenizados, estou falando de Bitcoin, Ethereum e outros. Não existe isso de variação da criptomoeda frente à moeda nacional. Corremos o risco agora de discutir como funcionam os ganhos não realizados em cripto”, aponta o advogado lembrando que o preço praticado varia de intermediário para intermediário.